A crise dos 40, que nada mais é do que uma continuação daquela primeira crise, aquela inaugurada no nascimento, leia-se viver pelo resto da vida, vai sendo sofisticada na medida em que vamos tendo mais dimensão do tempo vivido. Hoje, o espelho que gritava e nos avisava, dia-a-dia, que o tempo passava juntinho da gente, mas no corpo dos outros, inicia uma aproximação radical e, agora mudo, passa a deixar marcas no nosso corpo... Eu que tinha o hábito de sorrir sempre, olhando-me no espelho, continuo ainda fazendo o gesto, mas sempre preparado para mais um vinco cutâneo, repentino, que mostre, mas nem tão poeticamente, o tamanho da minha memória, como diria o Bartolomeu Campos Queirós.
É chegada a hora de constatar que os Natais, Anos Novos e todas as datas forjadas no calendário, se repetiam, sim, e assim continuarão repetindo-se sem nenhuma novidade maior. Havia uma importância qualquer, no passado, que girava em torno de você. Você era muito jovem ou jovem. Esqueça isso. Estas datas, daqui pra frente, só farão trazer a lembrança dos outros: os muito jovens e jovens, os velhos, os vivos brevíssimos, os sumidos e os mortos.
Constata-se também, pela década dos 40 em crise, que as relações afetivas e que o sexo dentro delas são variações sobre o mesmo tema. Se você está só há pouco tempo, depois de anos investindo numa família, vai sentir, por um tempo, uma falta enorme daquele papel íntimo e social. No caso masculino padrão, marido e pai. Nada mais a ver com a esposa, a dor é institucional mesmo.
Você passa, então, a ser uma nova ovelha desgarrada do bando e pressente que entra, sem sentir, numa modalidade outra do ser masculino. O quarentão só e obviamente disponível. Nem tão óbvio assim. Não há tempo, agora, para pensar muito. A constatação da hora é que a solidão enlouquece, que as pessoas piram, que as mulheres da sua mesma era perderam seus poderes e, tontas, bloqueiam toda aproximação, que o seu crivo é enorme e que voltar à ativa aos 40 é muito mais dificultoso do que aos 30...
O sexo, ah, esse tem que ser finalmente como você sempre quis, afinal, o tempo urge, ruge, tosse e agoniza. Mesmo que tudo esteja ainda indo bem nesta área íntima, você percebe que seu fôlego não é mais o mesmo, que a qualidade deve imperar porque nada mais se espera daquela quantidade ‘irracional’ de outrora. Há, portanto, pequenos sinais de que algo mudou. Vai ver porque o seu imaginário quarentão transborda de imagens e, hoje, excitar-se requer mais concentração e empenho ou uma imagem corpórea, à vista dos olhos, sem muitas rasuras. Não é desprezo à maturidade feminina ou pretensão dos homens que ignoram sua queda e tudo fazem por uma de suas últimas afirmações. É mesmo o que acontece no campo da possibilidade ou da impossibilidade... Ou não... A possibilidade de ainda endurecer-se e proporcionar prazer, a si mesmo e a alguém mais.
A crise também se revela grande quando você se pega julgando o mundo demais. O passado era melhor, você teve educação doméstica e o capitalismo era menos selvagem. Será mesmo? Será que o mundo era outro ou mudou, como se espera que mude, este leitor do mesmo texto? O mundo, com todo o frescor do desconhecido, deixou o viço de lado e mostra para você que é velho, atrasado, tardio e que mesmo o novo poderá vir, por vezes, previsível, requentado. Há uma crise, portanto, que reside todinha na mesmice e em sua perpétua continuidade. Crise agravada pela velhice que virá ainda, você já sabe, lhe surrupiar os instrumentos que lhe faziam viver aquilo, lá mesmo, com certa dignidade.
Há algo que nos salvará do tempo e da crise corrente? Há. A paixão, o amor intenso, arte, um sentimento que atinja, com violência, coração, sentidos, percepção, sensos, razão. Pois eis que nubla tudo, reconstrói, superposto ao conhecido, uma fusão de imagens, cenas desconexas, enfim, o novo que, instaurado e breve, sempre promete.
Sérgio Cerviño Rivero, tem 47 anos, mora em Salvador e é Professor nas áreas de Letras e Comunicação e Assessor da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia.
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