quarta-feira, 1 de setembro de 2010

40 cultural

Eu poderia ter nascido Maria Gurgel, Isabel Gurgel, Maria Amaral, Isa Amaral, Isabel Amaral Gurgel... Mas não...


...Eu nessa luta, intensa, há 20 anos, sem parar. Uma coisa atrás da outra... muita, muita coisa, muito esforço.

Carreguei quadros, aguentei artistas lindos, artistas chatos, loucos, bons, ruins. Carreguei móveis, fiz feiras de arte, artesanato, fiz design italiano na rua misturado com móveis de Minas Gerais, fiz gente desconhecida ficar famosa, curadorias para artistas jovens, lançamentos, passei por artistas consagrados e desconsagrados... Organizei arquivos, ateliês, fiz assessoria de imprensa em troca de obras, passei por galerias pequenas, médias e grandes...

Coloquei dinheiro meu em metade dos projetos. Virei e disvirei. Endividei, paguei, endividei de novo, paguei e paguei. Paguei pra transformar o sonho em realidade.

Briguei com chatos. Amei outros fantásticos.

Me lembro do Circo do Teatro Mambembe, em Boiçucanga, há dezoito anos atrás. Aquele verão, calor de 40 graus, e a gente produzindo um show atrás do outro, embaixo daquela lona, junto à performances de artistas plásticos, circenses.

Eu com 24 anos, grávida do João, e a produção do show da Madonna me convidando para trabalhar: o médico não liberou porque minha pressão estava alta. Fiquei fula da vida!

Foi muita coisa, muitos projetos... Escreve, escreve. Patrocínio: pede, pede.. Não atrás de não... Alguns "sim"... Projeto em São Paulo, Jundiaí, Belo Horizonte, Medellin, Bahia, Bogotá, Antonio Pereira, Ouro Preto... Ahhh Ouro Preto...

Já andei muito por essas ladeiras, achando que nada tinha valido a pena... Desgostosa, frustrada...Pensei em parar, desistir; olhei inúmeras vezes pra trás e achei que tinha sido em vão, que tinha jogado tudo fora: energia, dinheiro, vontades, tesão, que tudo não havia passado de uma grande bobagem... Pensei que fazer cultura no Brasil era loucura, que era pra milionário, filhinho de papai, que dar metade do que eu tinha para os projetos era surrealista. Mas fiz! não parei, não consegui parar. Trabalhava 17 horas por dia.

Depois que a Sofia nasceu, há 5 anos atrás, falei pra mim mesma: - Vou parar tudo, chega, vou vira mãe, dona de casa, ficar quieta. Esquece esses 15 anos. Mas como? Tem coisas que não tem volta...

E, agora, aos meus 40, começa a se formar um murmurinho em volta de mim, uma outra energia, algo que eu ainda não tinha sentido, um outro sabor... Uma relação instigante de ser quem eu sou, o resultado de toda loucura.

Meu pai queria que eu fosse algo que eu amasse, mas no fundo ele achava que eu poderia ser advogada, médica, engenheira... Nada disso aconteceu. Eu fui ser arteira! Mas só pude ser essa arteira, porque meu pai me deu essa chance. Esse post é o meu agradecimento a ele, que, indiretamente, nunca me deixou desistir... Há 38 dias dos meus 40, me lembro de meu pai intensamente, pois ele me deu a chance de ter nascido e ser Bel Gurgel.


“Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!”
Manuel Bandeira