quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A cidade nova I

"O homem que cavalga longamente por terrenos selváticos sente o desejo de uma cidade. Finalmente, chega a Isidora, cidade onde os palácios têm escadas em caracol incrustadas de caracóis marinhos, onde se fabricam à perfeição binóculos e violinos, onde quando um estrangeiro está incerto entre duas mulheres sempre encontra uma terceira, onde as brigas de galo se degeneram em lutas sanguinosas entre os apostadores. Ele pensava em todas essas coisas quando desejava uma cidade. Isidora, portanto, é a cidade de seus sonhos: com uma diferença. A cidade sonhada o possuía jovem; em Isidora, chega em idade avançada. Na praça, há o murinho dos velhos que vêem a juventude passar; ele está sentado ao lado deles. Os desejos agora são recordações."
Ítalo Calvino

Na minha cidade invisível tudo é aberto, nada é fechado. Os pássaros voam sem medo, sem gaiolas, sem fronteiras. Nela o céu se prevalece azul, infinitamente azul com um beirado rosa. Não há medos, não há sonhos não realizados.

Não há dúvidas, como as de Ítalo. Se há dúvida, encontra-se uma terceira pessoa para tirar a dúvida da primeira e da segunda. Tudo basta. Tudo é objetivo.

Na cidade dos meus sonhos crianças reconhecem pai e mãe nas pessoas que elas desejam. Tomam banho de mangueira como se fosse em cachoeiras. Chupam pirulito sem medo de cáries.

Na cidade dos meus sonhos amantes viram amores, incertezas viram certezas. Não há culpas, não há desculpas. Ninguém se desculpa das culpas, dos traumas, dos dias invisíveis.

Nela passa um rio de emoções onde todas as tristezas vão embora. Não há distorções. Arrependimentos vão embora de um dia para outro e nossas vidas voltam ao normal sem incômodos nos atormentando.

Quem dá a mão e segura forte, segura para sempre, não desgruda. Beijos fortes serão sempre fortes, todos os dias.

Não há catástrofes, não há senhas, não há filas.

Na minha cidade só há flores, pétalas espalhadas coloridas por todos os lados, pessoas que amamos por perto. Sem gafes, sem desencontros. Só há sonhos sem medo de ser sonhados. Sem medo de ser feliz.