sábado, 25 de junho de 2011

Nada está perdido

Estava indo para BH, tudo muito corrido, resolvi parar no escritório. Sentei na mesa, olhei os e-mails, entrei no face. Tava lá: - Péssima notícia, vamos adiar a viagem por causa de trabalho. Primeiro eu achei que fosse brincadeira. Perguntei, ele respondeu que não era. Me deu um frio na barriga porque já tínhamos pensado em tudo, pelo menos eu tinha, afinal eu era a anfitriã: horários, onde ir, como ir, porque ir... Poderia ter acabado tudo ali, eu ter pensado: - bom, não vem, tá ok, vou fazer outra coisa, vou pegar as crianças e ir com elas para a pousada já reservada. Mas eu já havia armado o circo: Sofia ia viajar com a tia. João ia trabalhar. Dispensei reuniões, mandei todo mundo curtir o feriadão e esse conjunto de coisas me deu um certo vazio. Senti um certo descaso, reli as mensagens e vi que não era isso. Mas eu comigo mesma comecei a fazer outras leituras do acontecido, leituras apenas minhas e me deu um certo nó no estômago.

Fim de tarde fui tomar um vinho, encontrei uma amiga, sentamos, bebemos, fazia tempo que não encontrávamos, bebemos inúmeras taças, no final 3 garrafas. Falamos de arte, de encontros, desencontros. No meio resolvi mandar uma mensagem pra ele: - acho que mereço um telefonema, ao menos. Tudo via mensagem no chat, não dava mais, eu queria escutar a voz. Ele ligou, foi bom. Mais tarde, meus amigos, donos do bar, já me olharam com cara de 'vamos te levar pra casa'. 'Bebo para afogar as mágoas. Mas as danadas aprenderam a nadar.'

Cheguei em casa, não tinha horário mais para acordar, ele não ia chegar às 07:45h da manha e eu não ia mais buscá-lo. Não tinha mais pressa para nada. Uma pequena vantagem: malas para arrumar, que nem eu, tão pouco a Valquíria - minha empregada - gostamos de fazer, ela diz que a deixo louca e eu garanto que minha praticidade para esse exercício é zero. Não precisava mais de make up, de pensar numa roupa, não tinha mais frio na barriga. O furor de um romance novo que tinha arrematado toda a minha atenção durante a semana terminara em 4 linhas no facebook.

Eu olhava para a cama, ela olhava para mim. A mala vazia. Ficou estranho. Dormi.

Acordei às 6 da manhã, talvez achando ainda que precisasse acordar. Pobre ilusão. Abri os olhos e um sintoma péssimo me arrepiou todos os pêlos. Deu 07:45h eu surtei quase quieta. Abri o computador postei umas coisinhas e mandei uma mensagem, queria falar: - tô puta! Mas meu lado civil se superou. Pensei: - esse cara tá achando que a minha semana é fácil? Que eu to disponível, assim? Me xinguei: - submissa! Levantei, a Valquíria olhou pra minha cara: - Você não vai mais viajar? - Não, não vou. Pensei bem e falei: - Quer dizer, eu vou sim, me ajuda a arrumar a mala, mas vai ser uma mochila, Valquíria, não precisa ficar nervosa. - E coloca o que, Bel? - Coloca 2 camisetas herings, minhas havaianas e o resto eu mesma faço. Sai da cozinha, fui pro quarto, abri o guarda-roupa e peguei 2 calças jeans das mais fudidas, uma jaqueta jeans de 1987, uma toalha de banho, uma blusa de lã, 2 calcinhas. Nem sei como mas ainda coloquei desodorante e escova de dente. Me vesti igual, tão despojada quanto meu filho João, que aos seus 17 anos é um despojamento total e absurdo. Enfiei um tênis, um chapéu, peguei as chaves do carro e Valquíria ficou me olhando, perguntou quando eu voltava: - talvez amanhã, talvez depois de amanhã, sei lá... Não tenho compromisso com nada. Saí.

Pensei, bom, pra onde? Tiradentes? Lavras Novas? Macacos? Serra do Cipó? Uma amiga de Lavras Novas me liga: - vem pra cá. Mal sabia ela que, no combinado, passaríamos 2 dias em Lavras Novas antes de chegar em Ouro Preto. Falei: - Lú, obrigada querida, mais Lavras Novas hoje não vai dar...

Peguei a estrada sentido BH e fui, parei, tomei café num ponto que gosto, mas eu tava muito estranha, muito. Eu tava levitando, triste, puta, frustrada sim. Eu tinha percebido que eu tinha sido tomada por um susto, um golpe de mestre sem ter sido golpe. O problema não era o trabalho dele ou tudo que tinha acontecido sem a culpa de ninguém, o problema era porque sem saber porquê eu queria aquele momento com ele, aqueles dias de feriado, como há um bom tempo eu não queria nada com ninguém. Que os próximos 4 dias seriam alone, alone, alone... Eu não queria outro alguém e desliguei o celular.

Chegando em BH pensei em ver uns cds, comprar um som novo. Entrei no shopping. Deixei o chapéu dentro do carro. Calças jeans rasgadas, meu nick preto quase cinza, uma camiseta branca esgarçada, meus óculos enormes intitulados 'carla camurati' e uma cara de 'over' de assustar qualquer criancinha. Mas, por incrível que pareça, fui surpreendida por inúmeros olhares. Descobri que o despojamento fascina. Sem fome, parei para tomar outro café, um cara parou do meu lado, eu vi que ele ia me perguntar alguma coisa, enfiei o café guela abaixo e sai andando. Eu não queria ouvir nada. Sem disposição, entrei na FNAC. Escolhendo CDs perguntei o preço de um à vendedora. Ela olhou para mim e puxou papo: - Vc não é mineira, é? - Não, sou paulista. - Vc veio para o feriado? - Vim, vim sim (inventei) - Ce tá indo pra onde? - Vou ficar num hotelzinho em Ouro Preto - Puxa, interessante, que hotel? - Nem me lembro o nome, bem no centro. - De repente a gente poderia se encontrar em Ouro Preto... - Claro, claro, a gente se cruza por lá, obrigada. E sai andando, sem ao menos olhar para trás. Sem preconceitos, numa boa, ja fui cantada por mulheres, mas naquele momento eu era apenas para mim mesma, eu e minhas neuras, nada mais. Sem ouvir ninguem, sem parar para pensar. Eu não era eu, eu não estava alí.

Segui viagem e adorei ter saído do shopping. As mulheres num momento de crise precisam sempre comprar alguma coisa, incrível, que loucura! Eu não sai do protocolo.

Lembrei de minha amiga que mora na Serra do Cipó, liguei pra ela, pedi arrego, avisei que estava chegando e ela gostou. Cheguei lá com cara de boba, mas já conformada. Bebemos champagne, conversamos, rimos, brincamos com Caio, o neto ainda bebê, lindo.

Acordei no dia seguinte outra, sem sustos, tranquila e feliz. Tudo passa, dor passa, agonias passageiras. A noite falei com ele via chat, rimos e já combinamos outra viagem. 'Perdido o imperdível' - palavras dele - vamos reachar o perdido. Why not? Why yes, baby. Desencontros perdidos, encontros imperdíveis mas dentro de um diálogo honesto.

p.s. "isto não é um cachimbo, é a pintura de um cachimbo."